segunda-feira, abril 09, 2007

Metade

"Que a força do medo que tenho não me impeça de ver o que anseio.
Que a morte de tudo que acredito não me tape os ouvidos e a boca.
Porque metade de mim é o que eu grito, mas a outra metade é silêncio.


Que a música que eu ouço ao longe seja linda, ainda que triste.
Que a mulher que eu amo seja para sempre amada, mesmo que distante.
Porque metade de mim é partida e a outra metade é saudade.


Que as palavras que eu falo não sejam ouvidas como prece nem repetidas com fervor.
Apenas respeitadas como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimento.
Porque metade de mim é o que eu ouço, mas a outra metade é o que calo.


Que essa minha vontade de ir embora se transforme na calma e na paz que eu mereço.
Que essa tensão que me corrói por dentro seja um dia recompensada.
Porque metade de mim é o que eu penso e a outra metade e um vulcão.


Que o medo da solidão se afaste, que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável.
Que o espelho reflicta em meu rosto o doce sorriso que eu me lembro de ter dado na infância.
Porque metade de mim e a lembrança do que fui, a outra metade eu não sei.


Que não seja preciso mais do que uma simples alegria para me fazer aquietar o espírito.
E que o teu silêncio me fale cada vez mais.
Porque metade de mim é abrigo, mas a outra metade é cansaço.


Que a arte nos aponte uma resposta, mesmo que ela não saiba,
e que ninguém a tente complicar porque e preciso simplicidade para faze-la florescer.
Porque metade de mim é a plateia e a outra metade, a canção.


E que minha loucura seja perdoada.
Porque metade de mim é amor e a outra metade... também. "




Oswaldo Montenegro

2 comentários:

Anónimo disse...

Quando me dizes ... "Actualizei o meu blog ... " e eu digo-te " tenho de ir ver!" espera tudo menos arrepiar-me ao saber que as metades sao para repartir ou guardar consigo proprio, mas sei que nao és sovina ao ponto de guardar uma metade de tanto amor ... suspiro esperando que essa metade caia por certo no meu coraçao, ele esta aberto a aceitar!


um beijo enorme de quem te admira pelas coisas boa e pelas coisas menos boas!

Anónimo disse...

Este poema é sublime! Não canso de o ler.